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Sonhos nas Batalhas de MC’s

 

Todo esse universo do rap, originário do hip-hop, envolve muitos sonhos. Muitos jovens vão para a batalha almejando um futuro dentro da música, na maioria das vezes para mudar a realidade atual.

 

O principal nome no Brasil, vindo das rodas de freestyle, é o rapper Emicida. Hoje conhecido nacionalmente, rico, referência para qualquer pessoa que faça rap no país. Saindo de uma realidade marginalizada, Emicida venceu carregando a bandeira do povo preto nas costas, principal valor e objetivo social do hip hop na busca do término do preconceito nas suas mais diferentes vertentes. A carreira do rapper iniciou nos anos 90, época em que seus pais organizavam bailes e ele começava a compor suas músicas. Vindo de uma realidade humilde, compunha canções e mandava para um amigo gravar e vender suas produções. Emicida se tornou conhecido pelas rimas de improviso. Ganhou onze vezes seguidas a batalha de MC's da Santa Cruz e doze vezes a Rinha dos MC's. Hoje ele é o principal nome do rap da nova geração por toda construção musical ao longo desses anos.

 

A busca do reconhecimento

 

Pegar um microfone e rimar em 4 versos atacando verbalmente uma pessoa, você consegue? A tarefa nada fácil mexe com o sonho de muitos jovens no Brasil. Juiz de Fora, um grande polo do rap possui como principal evento o Encontro de MC’s. Mas não fica só aí, tem batalha no São Pedro, região oeste da cidade, e também a da RCN, no bairro Benfica, zona norte.

 

MC’s de diferentes idades, com bagagens diferentes e com estilos diferentes se encontram. O que tem de comum entre eles é a ambição por vencer na música. Desde os jurados, o dj e os mestres de cerimônia, todos almejam um espaço entre os melhores e mais reconhecidos do rap nacional.

Como exemplos dessa diferença temos o jurado e mestre de cerimônia, Brackes Mallone, e um dos Mc’s mais novos na batalha, Amadeu. Um bem mais experiente, com 24 anos e carregando toda uma experiência de anos participando das batalhas, com músicas produzidas e publicadas, sendo um rapper reconhecido no cenário local. Em contrapartida está Amadeu, com apenas 14 anos, começando a rimar ainda este mês e que chegou até a segunda fase do último Encontro.

Eles têm visões teoricamente diferenciadas, mas que convergem para um mesmo ponto. A experiência versus jovialidade dentro da cena do Rap, pelo menos por aqui tem objetivos claros e benéficos à sociedade.

O próprio Amadeu respeitando sua juventude ainda não confirma que é um sonho bem definido ser um MC. Ele fala mais pelo amor ao movimento hip hop e suas diretrizes, “quando estou rimando, esqueço tudo que está fora. E pra mim o rap é muito grande, envolve a luta em favor da igualdade entre negros, brancos, mulheres e LGBT’s, isso pra mim é o essencial. Tendo a consciência que sou branco e a representatividade não deve vir de pessoas como eu”.

 

Para falar não só de representatividade, mas também da importância pessoal das batalhas, falamos com o primeiro representante de Juiz de Fora no estadual independente de batalhas deste ano, D'Black de 19 anos. Ele conta sua história nas batalhas: “meu primo me chamou dois anos atrás para vir batalhar totalmente sem compromisso. Eu fui pegando amor pela causa. A medida que fui me entregando ao hip hop fui adquirindo amadurecimento e é impossível não querer crescer, me esforço e treino por horas, os resultados são consequências da dedicação”, explica o promissor MC.

 

O Rap JF foi até o encontro de MC’s para conhecer a história de muitos jovens que veem nas batalhas uma esperança e um norte em direção ao reconhecimento. Brackes Mallone e D'Black são sua visão dos motivo de saírem de suas casas para estarem ali.

 

Como tudo funciona

 

As batalhas ou duelos de freestyle acontecem com MC’s se enfrentando, um dj e um apresentador que anima as pessoas ao redor dos protagonistas. As regras específicas mudam de região para região. Em Juiz de Fora, por exemplo, não é tolerado nenhum tipo de preconceito. As batalhas sérias priorizam esse tipo de conduta. Os MC's podem se empolgar no próprio ritmo de fala, por isso é tão importante o aviso prévio da organização do evento, para não haver atos ofensivos durante as batalhas.

 

Existem duas modalidades mais populares na cena do rap, conhecidas como batalha do conhecimento e batalha de sangue. Na batalha do conhecimento, o objetivo primordial é desenvolver rimas sobre temáticas pensadas pela organização ou pela plateia durante a roda. Já na batalha de sangue, o confronto acontece sem tema, a intenção é partir para o ataque através de palavras e responder o adversário depois e vice-versa.

 

No bate-volta, formato usado no Encontro de JF, os Mc's se atacam no sistema 4x4 (4 versos, 4 vezes). Ou seja, cada Mc rima 4 versos até que os dois rimem 4 vezes. Isso tudo requer um pensamento muito rápido.

Para falar do aspecto técnico exigido ao sistema fonador do mestre de cerimônia, conversamos com a fonoaudióloga Fabiane Garcia, que explica como conseguem manter o ritmo de fala tão rápido e ritmado durante as batalhas. Segunda ela, principalmente nas batalhas é necessário treino vocal, “a aprimoração da coordenação pneumofônica para todo profissional da voz é imprescindível, sobretudo para os MC’s que, possivelmente, exagerando no número de competições podem causar lesões nas pregas vocais”, explica Fabiane.

Perguntada se qualquer pessoa pode batalhar, a fonoaudióloga esclarece a necessidade de prática e cautela. “A pessoa tem que ter ritmo de fala, coordenação pneumofônica, boa articulação, sistema de ressonância adequado e inteligibilidade, ou seja, uma complexidade estruturada para quem quer fazer isso bem, não é qualquer um que chega nas rodas e consegue rimar seguidamente com qualidade”.

História das Batalhas

Tudo isso envolve uma enorme relevância social, trabalhando a dicção de MC’s, formando opinião de muita gente através de referências usadas durante o freestyle, atraindo inúmeras pessoas, sobretudo adolescentes e jovens adultos. Desse modo, as batalhas tomaram uma proporção inimaginada por quem deu início.

As primeiras batalhas aconteceram nos anos 70, nos subúrbios de Nova Iorque. Na época, a população periférica passava por entraves sociais ligados a pobreza, violência, falta de infraestrutura e racismo; os jovens viam a possibilidade de “sair” daquela realidade na rua. Muito semelhante ao que acontece atualmente no Brasil, contudo em menor proporção.

Nesses bairros da grande cidade americana, aconteciam festas de rua com grandes equipamentos de som ou com "Sound System", carros equipados com som alto e de qualidade. O precursor foi o DJ Kool Herc, introduzindo para as ruas do Bronx o Sound System e a maneira de cantar com rimas estruturadas como forma de expressão e discurso, carregadas fortemente de informação para distintos conteúdos (bem pensados ou superficiais) com pouca melodia.

Através desse cenário se deu a difusão Rap, que significa rhythm and poetry (ritmo e poesia). Muitos eventos organizados como Block Parties começaram ali, festas animadas por MCs, dando um panorama da comunidade e a vida enfrentada diariamente, produzidas pelo DJ Hollywood e associações de gangues que faziam as batalhas.

Por aqui o freestyle chegou quase 20 anos depois. Rio de Janeiro e São Paulo foram as cidades precursoras do movimento no Brasil. Porém foi no Rio, em 2003, que as rodas de rima de improviso ganharam organização e, consequentemente, popularização. Principalmente pela batalha do real criado por Aori Sauthon, influenciando grandes nomes, tais como Criolo, a criar a Batalha de Mc’s em São Paulo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Encontro de MC’s em JF

Hoje o evento acontece a cada duas semanas, às sextas-feiras, na Praça Antônio Carlos (PAC), com organização principal da produtora cultural, Amanda Massucati.

Muitos jovens vão para acompanhar o evento, o que dá todo brilho e consolidação do Encontro na agenda do Rap em Juiz de Fora. Falando dos protagonistas, quem não chega cedo nem consegue batalhar.

A procura pela principal batalha de freestyle da cidade é grande.

 

(Foto: Felipe Pacheco)

Para elucidar essa concorrência, no dia 12 de abril, aconteceu mais um edição do Encontro de MC’s com um total de 16 mestres de cerimônias competindo. Muitos que chegaram ligeiramente atrasados não conseguiram entrar na disputa. Na oportunidade, o Mc Munir venceu a roda.

Chegar e estar no Encontro de MC’s é uma energia muito positiva. Fui recepcionado pela Amanda no começo do evento. Ela na correria de dar conta das várias vozes que a chamavam, enquanto ajudava o beatmaker a montar os equipamentos e testar o som. Tudo isso no palco da PAC, onde pessoas ainda retraídas se espalharam pelos cantos do lugar e a maioria permanecia embaixo, ao redor do palco, esperando que o Encontro começasse.

É nesse momento que as inscrições dos MC’s acontecem. Ainda na resolução dos últimos problemas e organização geral, quem se interessa por batalhar chega e dá seu nome. Foi muito procura na oportunidade. As batalhas começaram com 16 participantes porque a produção preferiu assim, já que muitos outros tentaram se inscrever e ouviram da Amanda que havia encerrado as inscrições. Rostos frustrados entendiam e aos poucos se animavam para curtir a roda mesmo sem exercer o protagonismo de pegar o mic para rimar.

Depois de alguns minutos de espera os versos começaram a ser cantados e o lugar foi tomado por reações das mais diversas, para as rimas mais combativas, afrontosas e irreverentes. MC’s com diferentes estilos se enfrentavam e davam a pluralidade que a rua pode oferecer, mesmo todos sendo adeptos daquele movimento cultural.

Os beats muito bem selecionados envolviam não só o público que estavam ali para acompanhar os confrontos, como até os mestres de cerimônia que viam seus corpos gesticularem de acordo com o ritmo e suas vozes encaixarem a cada looping do beat.

Houve um intervalo com pocket show de Kill Master, MC da zona norte da cidade. Cantando boombap e trap ele mostrou que Juiz de Fora faz rap bem feito em diferentes localidades, como RT Mallone havia falado na primeira matéria do site, e estava lá curtindo o show do colega de arte.

 

 

 

 

Killmaster (Foto: Felipe Pacheco)

A fase final do Encontro começou e os ataques foram mais incisivos a partir dali. Até que na final entre Rato e Munir, dois grandes rimadores, Munir levou a melhor e venceu a roda naquela sexta-feira.

 

Rato e Munir (Foto: Felipe Pacheco)

Sem dúvida é uma experiência cultural e quiçá de vida muito enriquecedora. A admiração em ver o raciocínio ser trabalhado tão rápido e isso ser refletido na voz das pessoas é marcante. Verdade no olhar para uma briga de palavras poderia gerar um desconforto para quem não está acostumado ou tem algum receio, mas o que acontece naqueles segundos, normalmente são rebatidos conscientemente somente na batalha seguinte. O abraço pós-batalha e o respeito entre os MC’s são sintomáticos quanto a energia do lugar que se sente desde a montagem dos equipamentos ao desplugar do último cabo.

(Foto: Felipe Pacheco)

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© 2019 por Felipe Pacheco, Criado com Wix.com

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