Orgulho!
O “Vendedor de sonhos”, álbum de RT Mallone, lançado há pouco mais de um ano, no dia 30 de março de 2018, trouxe como destaque a faixa “Orgulho”. Ela referencia a luta do povo preto e o orgulho da sua origem, o enfrentamento necessário pelos seus, o quão bom é fazer música impregnada com sua história e dos seus antecedentes cujas especificidades se adaptam à métrica do rap.
Começar falando dessa faixa significa indicar a representatividade do rapper para a cidade. Juiz de Fora com certeza se orgulha no homem que vem do Arado (São Benedito) para conquistar o Brasil. Essa é sua esperança e uma pequena realidade, já que chama atenção fora de Minas Gerais. Pertencente ao selo da produtora Artefato, de São Paulo, tem sempre ao lado um dos nomes mais promissores e já reconhecidos do rap no país, Jé Santiago.
Estritamente ligado ao sucesso de suas música estão os clipes. Segundo RT, o lado audiovisual da sua arte é fundamental para chegar às pessoas que residem no bairro onde se desenvolveu, o São Benedito. “Por exemplo, quando saiu o clipe ‘Pelas ruas’, que foi filmado no bairro, os moradores sentiram a conexão do que eles vivem com meu trabalho, além da temática nas letras.” Sua mixtape (álbum) ‘Vendedor de sonhos’ foi escrita e com base na vivência do rapper dentro de uma padaria do próprio bairro.
A identificação com os residentes de locais periféricos das cidades foi o que deu origem ao hip hop. E mesmo que o rap tenha tomado uma proporção muito maior recentemente, inclusive explorando novas temáticas, o movimento ainda sofre com a marginalização. RT reitera a importância de manter os assuntos prioritários dessas pessoas em pauta e que o contexto vem mudando gradativamente. “A periferia vive um momento diferente. Muitos negros se aceitando como negros, não só na aparência, mas como personalidade. A música preta tem muita influência nisso, ajuda a tirar esse medo de que somos ruins, que o preto é ruim”.
RT Mallone (Foto: Felipe Pacheco)
Referências
Como unanimidade entre os artistas que fazem rap hoje, RT cita o grupo Racionais MC’s como referencial e mostra um lado diferente do estereótipo criado ao longo dos anos sobre a música feita no Brasil nos anos 1990. Ele ressalta a poesia, o romantismo que existe mesmo com ênfase nos problemas sociais e de criminalidade. “O próprio enredo do Racionais mostra isso de forma clara, e só agora as pessoas têm dado conta disso. O próprio Mano Brown falou que é um grupo romântico com um viés diferente”, explica RT. É de extrema importância esclarecer essa quebra de conceito, visto que o ritmo e poesia andam em conjunto desde os primórdios do gênero musical.
Mais do que as referências, todos que entram nesse meio têm ambição. Um dos pontos centrais no discurso do promissor rapper juiz-forano é se tornar um exemplo de qualidade musical e servir de base para quem quer viver disso na cidade.
Sobre o Rap em Juiz de Fora
A pluralidade de estilos dentro do rap na realidade local ajuda e motiva RT a querer sempre mais, somado ao desejo de sucesso dos que estão no caminho ao seu lado. Resistência é a palavra à frente de tudo. Diversas lutas continuam, como a do povo preto, do público LGBT e do espaço da mulher. Hoje a indústria fonográfica permite ousar e enveredar por novos caminhos essenciais à sociedade.
Comentando sobre o número de talentos de Juiz de Fora, ele destaca a possibilidade de, no futuro, a cidade ser uma referência. “Aqui tem muita música bem feita, e música de diferentes estilos bem feita. Muitas cidades têm artistas famosos, fazendo dinheiro e com um rap de qualidade, porém todos fazendo a mesma coisa. Minha esperança é que Juiz de Fora seja influência, como o Sul dos Estados unidos influenciou a cena do mundo inteiro”, comenta RT.
RT Mallone (Foto: Felipe Pacheco)
RT? De onde vem isso?
Depois de falar sério a todo momento, perguntei ao rapper o motivo do RT em seu nome artístico. O sorriso veio instantaneamente. Ele explicou que desde garoto foi chamado de “sangue bom” do grupo de amigos. RT é a abreviação de Roho Tahir, palavras de distintos idiomas africanos que significam “alma pura”. “Quero levar esse lance de alma pura pro resto da minha vida, parece que já estava escrito. Não quero pisar em ninguém, não quero o mal de ninguém para me sentir melhor. Quero conquistar tudo da forma mais limpa, acho que isso faz as pessoas crescerem”.
Para fechar, o músico fala do cenário da cidade, sua previsão para o futuro e um recado para quem quer viver de rap. “Tô na cena há sete anos, estamos correndo atrás. Tem muita qualidade nesse lugar. Comprem os CDs, compartilhem o trabalho dos artistas locais e valorizem, porque seremos muito grandes ainda. E você que está começando, faça com amor, esqueça quem desacredita e se entregue diariamente; ainda não me sinto tão confortável de falar tudo isso, mas daqui um ano quero ‘trombar’ você na rua, falando que acompanhou essa reportagem e hoje é mais forte no que faz.”
O último sucesso de RT Mallone foi o verso livre intitulado “Longe de casa”, rimado em cima do beat de M.A.A.D City, um dos principais sucessos do melhor rapper do mundo, Kendrick Lamar. A versão feita pelo juiz-forano é um verdadeiro hino dos pretos, lotada de referências. Com certeza uma das melhores músicas de 2019.







